segunda-feira, 13 de junho de 2011

Considerações sobre a origem da família Canto, em Nobiliário de Famílias de Portugal de Manoel Joze da Costa Felgueiras Gayo

Considerações sobre a origem da família Canto, em Nobiliário de Famílias de Portugal de Manoel Joze da Costa Felgueiras Gayo

Muito tem-se questionado a credibilidade das origens mais remotas registradas por Felgueiras Gayo em sua obra Nobiliário de Famílias de Portugal. Uma dessas origens que mais parece levantar a indignação dos críticos é a origem da família Canto medieval. Em conversa com colegas genealogistas pudemos por pesquisa em interrede pôr fim a este exagerado questionamento, finalmente direcionando luz à veracidade, ainda que não completa, das informações fornecidas a nós pelo genealogista português. É certo que talvez a própria soberba tenha sido o motivo de tal questionamento: ao duvidar da veracidade das informações, estava-se tentando ao mesmo tempo uma identificação de Mossem João do Canto, fundador da família, com John, 3rd Earl of Kent (1330-1352), da Casa Plantagenet (http://en.wikipedia.org/wiki/John,_3rd_Earl_of_Kent). Era esta uma ligação que não se comprovava nem por título, nem por contexto, nem por heráldica, mas Felgueiras Gayo dá outros informes que possibilitam a identificação do verdadeiro Mossem João do Canto, Cavaleiro inglês e fundador da família Canto medieval em Portugal. Por estarmos tratando de personagens muito conhecidos na história britânica, com extensa disponibilidade de fontes, nos contentaremos com a utilização de Wikipédia ou Wikimedia como referência.

Transcrevamos aqui o que escreveu Felgueiras Gayo sobre os Cantos em Nobiliário de Famílias de Portugal:

'N 1 Os Cantos descendem de Mossem João do Canto q foi Conde estavel do Princepe de Gales, q veio a Castella a favor do Rey D. Pedro contra seu irmão D. H.e era Cavalheiro Inglez e natural da provincia de Kent q na lingua antiga Britania se dezia Caint, e na Latina Cantium a qual provincia no tempo dos Angalos Saxones era Reino Particullar de q era Cabeca a Cidade de Cantuaria chamada depois Cantorberey e dipois foi Condado Soberano q no anno de 1036 possuia Godinho Conde de Cantio ou de Kent Princepe de tanta graduação q cazou com Thira Irmão de Kanuto Rey da Dinamarca e teve f.o a Edita m.er de Eduardo 3.o Rey de Inglaterra, e he possivel fosse Mossem João do Canto descendente da Caza dos Condes de Cainte'

A dedução que queremos colocar baseia-se principalmente nos seguintes fatores:

1. Título de Condestável
2. Relação ao referido Príncipe de Gales
3. Fonética
4. Cronologia
5. Heráldica
6. Passagem por Portugal

Primeiramente, pelo ponto 2., façamos a identificação do Príncipe de Gales referido por Gayo: trata-se de Edward of Woodstock, Prince of Wales, Duke of Cornwall, Prince of Aquitaine, KG (15 Jun 1330 – 8 Jun 1376), que de fato veio em favor de Rei D. Pedro de Castella contra o irmão ilegítimo deste último, D. Henrique de Trastámara. (http://en.wikipedia.org/wiki/Edward,_the_Black_Prince)

O maior erro de Gayo, pensamos, é ter feito a ligação de Canto com Kent ou Cantium, ligação essa que não nos cabe aqui averiguar se vem de suas fontes ou de si próprio. Gayo é prudente ao afirmar "he possivel fosse Mossem João do Canto descendente da Caza dos Condes de Cainte" (o que levaria a Casa Plantagenet), ou seja, não tem certeza disso, o que é um ponto a seu favor pois pensamos poder provar que este não seja o caso.

Façamos agora, pelo ponto 1., a identificação daquele que detinha de fato o título de Condestável de Edward of Woodstock: Sir John Chandos, Visconde de Saint-Sauveur em Cotentin, Tenente da França e Vice-Chamberlain da Inglaterra, Condestável da Aquitânia e Senescal de Poitou, na França durante a guerra dos Cem Anos, n. Radbourne Hall, Derbyshire, fal. 31 Dez 1369, famoso comandante de Edward of Woodstock, Prince of Wales. (http://en.wikipedia.org/wiki/John_Chandos)

Vejamos as coincidências cronológica e fonética, pontos 3. e 4.: ambos John, 3rd Earl of Kent e Sir John Chandos viveram mais ou menos na mesma época. Ambos os nomes poderiam ter sido registrados em Portugal e modificados para "Mossem João do Canto". Parece-nos entretanto muito mais provável que Chandos torne-se Canto do que Kent, fonologicamente.

Passemos agora para a heráldica, ponto 5.; as armas de Sir John Chandos são "D'argent à la pile de gueules" (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Blason_Jean_Chandos.svg). As armas dos Canto são equivalentes, "De vermelho, canto de prata em forma de ponta diluída" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Canto_(apelido)), como consta nos antigos armoriais portugueses, as mesmas armas com as cores invertidas, mudanças que são comuns em heráldica.

Quanto ao ponto 6., há uma quantidade de fontes bibliográficas em interrede que citam a passagem de Sir John Chandos pela Península Ibérica, que não nos vem ao caso agora elencar.

Deduz-se portanto que o fundador da referida família Canto em Portugal é Sir John Chandos, fal. 1369.

Faço um agradecimento a João Monteiro Gomes e Manuel Abranches de Soveral pelas informações que nos incentivaram a esta descoberta.

Bibliografia:
Felgueiras Gayo, Manoel Joze da Costa, Nobiliario de Familias de Portugal, Facsímile de Impressão diplomática do original manuscrito existente na Santa Casa de Misericórdia de Barcelos, Portugal, Agostinho de Azevedo Meirelles e Domingos de Araujo Affonso, 17 volumes, Oficinas Gráficas da Pax, Braga 1938-1941, purl.pt.
Felgueiras Gayo, Manoel Joze da Costa, Nobiliário de Famílias de Portugal, Carvalhos de Basto, 2ª Edição, Braga, 1989. vol. III-pg. 274 (Cantos).

Referências permanentes em Wikipédia e Wikimedia:
http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Edward,_the_Black_Prince&oldid=433947659
http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=John,_3rd_Earl_of_Kent&oldid=430760843
http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=John_Chandos&oldid=430868415
http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=File:Blason_Jean_Chandos.svg&oldid=46702488
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Canto_(apelido)&oldid=24642886

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Herculano de Lima Einloft Neto
Rio de Janeiro, RJ, Brasil


Complementações à ligação apresentada -- 2011-06-20

Cf. João Monteiro Gomes, Memória genealógica datada de 1621-02-05, redigida por Manuel do Canto de Castro, neto de Pedro Anes do Canto, cuja íntegra se encontra em Genealogias da Ilha Terceira, de Antonio Mendes e Jorge Forjaz, volume II, titulo Canto, págs. 761-764, registra "Donna Maria enes de cantos filha do Comdestabel Moizem Joam de Cantos", "Cazou esta Donna Maria enes do Cantos com hum fidalgo que se chamaua Lopo gomes de lira filho de Affonço gomes de lira natural de Galiza". Foi casada com Lopo Gomes de Lira, Alcaide-mor de Tui e depois já viúva, com João Fernandes de Sotomayor. "No mosteiro de sellanoua esta uma sepultura metida na parede com hum letreiro que dis aqui Jás Donna Maria anes do Canto Rica donna molher de Joam fernandes de Souto mayor". Com geração de seu primeiro casamento. A grafia Cantos utilizada por Manuel do Canto de Castro reforça também o ponto 3. de nossa dedução, a ligação fonética de Chandos a Cantos. Cf. Cristóvão Alão de Morais, "Mª do Canto filha de Mosem Jº do Canto".

Diz João Monteiro Gomes, "Falecida depois de 1386, foi enterrada no mosteiro de Celanova, os nobiliários dizem que veio para Portugal com D. Filipa de Lencastre, como sua dama de companhia (essa parte está errada, meu grifo). Por essa documentação se vê o elevado status que ela tinha dado os seus casamentos realizados, porém não há nenhum rastro documental até então, da descendência varonil de João do Canto, o que é incomum notadamente ao elencado Afonso Anes do Canto, que dizem deste descenderiam os Canto da Madeira e dos Açores. Sua descendência varonil  apresentada, seguindo Felgueiras Gayo, foi copiada por muitos outros genealogistas, mas é a meu ver, considerada meramente ilustrativa, carecendo portanto de documentação coeva, como apresentado.

O seu suposto trineto (de João do Canto) João Anes do Canto, foi o primeiro que se tem noticia documentalmente, era mercador em Guimarães,  e pai do celebrado Pedro Anes do Canto. Entre o João do Canto (Chandos) até estas quatro gerações depois, cerca de cem anos passados, há um vazio documental, que não se descobriu nada até então, criando assim a duvida da fantasia ou realidade, nestas primeiras gerações dos Cantos em Portugal e Açores. A conferir."

A mim parece-me mais um caso de documentação extraviada ou perdida a ser encontrada, complementada ou compensada por  informações contextuais.

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Herculano de Lima Einloft Neto
Rio de Janeiro, RJ, Brasil